1. Introdução
Há uma evidente tensão entre a liberdade de imprensa e o direito de resposta. O direito de resposta representa uma restrição à liberdade de imprensa, mais precisamente, uma restrição à liberdade editorial. A obrigação de publicar uma notícia trás ao menos três ônus para a empresa jornalística. Primeiro, ela se vê associada a um conteúdo que não é seu, com o qual não concorda e que não publicaria se não fosse obrigada. Segundo, a concessão de espaço para publicação gratuita de conteúdo pode trazer prejuízos econômicos, na medida em que este mesmo espaço poderia ser utilizado para outros fins. Terceiro, a escolha dos conteúdos a serem publicados, a maneira de apresentá-los e a decisão sobre os fatos que recebem maior destaque constituem a essência da liberdade editorial, afetada pelo deferimento do direito de resposta contra a empresa jornalística.
Destes três ônus decorre o principal argumento contra o direito de resposta. Segundo seus críticos, apesar de aparentemente criar um direito de acesso à mídia, que contribui para a defesa da honra e a ampliação do pluralismo no espaço público, o direito de resposta provocaria um efeito silenciador na esfera pública. Editores com receio de serem condenados a conceder o direito de resposta poderiam simplesmente tomar o caminho mais seguro e evitar assuntos polêmicos ou críticas mais duras a pessoas públicas. O direito de resposta , portanto, longe de criar uma esfera pública mais aberta e pluralista, acabaria por colaborar para a produção de um discurso cinzento, onde opiniões mais fortes e críticas mais duras seriam evitadas.
Por outro lado, os defensores do direito de resposta destacam que o argumento referente ao efeito silenciador produzido sobre a mídia não é convincente. Se pensarmos na liberdade de imprensa como um direito que leva consigo alguma responsabilidade social, em especial a de prover os dados necessários para a preservação de um público bem informado, o direito de resposta possui papel social fundamental na correção da publicação de fatos inverídicos. A ideia de que o direito de resposta produziria um incentivo para editores evitarem assuntos polêmicos é meramente especulativa e a afirmação de que o exercício do direito limitaria o discurso público vai contra a lógica. É a recusa de conferir a parte contrária o direito de publicação de fatos diversos que limita a diversidade de perspectivas na esfera pública. Ademais, parece igualmente plausível a ideia de que a resposta publicada pela parte contrária, além de contribuir para a proteção de sua honra, poderia ser atrativa para muitos leitores, colaborando para o aumento da circulação da revista ou jornal.
Considerando estas ideias iniciais, vejamos com mais vagar como alguns países tratam o direito de resposta e ponderam o seu exercício com a liberdade de imprensa.
2. Direito de Resposta nos Estados Unidos
Nos sistemas jurídicos fundados na common law, há certa aversão ao direito de resposta. O direito americano, em sua concepção atual, considera o exercício deste direito incompatível com a primeira emenda e, portanto, inconstitucional. A tese defendida atualmente é a de que não há diferença entre determinar aquilo que um jornal deve publicar (direito de resposta) e aquilo que ele não pode publicar (censura), não cabendo ao Estado intervir na liberdade editorial da imprensa. A tese prevalecente, nada obstante, nem sempre foi esta.
A partir de 1940, a Federal Communication Commission – agência reguladora americana - desenvolveu uma política de comunicação para as emissoras de radiodifusão intitulada de fairness doctrine. 1 A política exigia dos concessionários o cumprimento de duas obrigações básicas:
eles deveriam dedicar uma quantidade de tempo razoável para a cobertura de assuntos de interesse público;
a cobertura destes assuntos deveria realizar-se de maneira equitativa, de modo a possibilitar a apresentação para o público de pontos de vista controversos.
Considerando ainda a necessidade de apresentação de perspectivas distintas para o público, a FCC criou a personal attack rule na década de 60. A regra estabelecia o dever de a emissora notificar e conferir oportunidade de resposta ao interessado sempre que fosse realizado um ataque a sua integridade, honestidade, caráter ou qualidades pessoais durante a apresentação de pontos de vista controversos em temas de interesse público.
Em 1969, a Suprema Corte Americana julgou, em Red Lion Broadcasting v. FCC2, um caso envolvendo a constitucionalidade da fairness doctrine. Tratava-se de um jornalista que pedia a concessão de tempo livre em uma estação de rádio para responder a ataques pessoais feitos em um programa da emissora. Na ocasião, a Suprema Corte Americana destacou que, embora a radiodifusão fosse uma plataforma tecnológica claramente coberta pela primeira emenda, diferenças na característica deste tipo de mídia justificavam certas restrições.
Desse modo, a fairness doctrine foi considerada compatível com a primeira emenda porque a Constituição não conferia a ninguém o direito de monopolizar os feixes de radiofrequência em detrimento de seus concidadãos. Não haveria, assim, nada na primeira emenda que impedisse o governo de exigir do concessionário o compartilhamento da faixa de frequência em certas ocasiões. De acordo com a Corte, a primeira emenda não criava qualquer santuário para o exercício da censura privada por alguém que é titular de um meio não aberto a todos em razão da escassez do espectro radioelétrico. Desse modo, caberia ao concessionário, em certa medida, conduzir-se de maneira a ser também um fiduciário da obrigação de apresentar ao público perspectivas e vozes representativas da comunidade.
Red Lion Broadcasting v. FCC parecia legitimar um direito de acesso à mídia até mesmo mais amplo do que o direito de resposta previsto em nossa Constituição. Porém, a Suprema Corte Americana tomou decisão em sentido oposto ao decidir o caso Miami Herald Publishing CO. v. Tornilho3 em 1974. Cuidava-se, na ocasião, de julgamento sobre a constitucionalidade de uma lei do Estado da Flórida que garantia o direito de resposta. Neste caso, a Corte considerou inconstitucional qualquer norma que viesse impor a um jornal a publicação obrigatória de algo que, do contrário, ele não publicaria. “Uma imprensa responsável é um objetivo legítimo, mas a responsabilidade da imprensa não é algo determinado na Constituição e como muitas outras virtudes não pode ser legislada.”4 No julgamento, a Corte Americana destacou que um jornal é mais do que um receptáculo passivo de notícias, comentários ou publicidade. A escolha das matérias que são publicadas, as decisões sobre limitações de tamanho e conteúdo, a forma de tratar assuntos de interesse público e figuras públicas –seja de maneira justa ou injusta – constitui a essência do julgamento editorial, não sendo passível de controle estatal. A liberdade de imprensa, portanto, estaria em perigo assim que o Estado começasse a acreditar que pode intervir naquilo que é publicado em um jornal.
As decisões criaram duas regulamentações distintas no que concerne ao direito de resposta: uma para a radiodifusão, em razão da escassez do espectro radioelétrico, e outra para a mídia escrita, completamente livre. A diferença regulatória, no entanto, não ficou isenta de contestação.
Os críticos de Miami Herald v. Tornillo destacam não haver uma diferença intrínseca entre a escassez tecnológica e a escassez econômica. A imprensa atual, seja escrita ou radiodifundida, não é aberta para todos. As revistas semanais e os jornais diários de grande circulação representam uma verdadeira instituição, de modo que seria praticamente impossível para um competidor entrar neste mercado de idéias tendo em vista as barreiras econômicas. Em termos práticos, o resultado é que jornais e revistas, como as televisões e rádios não são abertos para todos, mas apenas para poucos. Tratá-los de modo distinto em razão da escassez tecnológica não faz sentido.
Apesar das contradições apontadas, o direito americano seguiu caminho contrário. Não apenas Miami Herald Publishing CO. v. Tornilho prevaleceu, mas a própria FCC abandonou a fairness doctrine em 1987 para a radiodifusão. Segundo a Agência Reguladora, a intervenção ocasionada pela aplicação da doutrina ao conteúdo da programação provocava restrição desnecessária à liberdade jornalística dos concessionários e, de fato, inibia a apresentação de temas de interesse público controversos. Para a FCC, com o risco de se verem processados ou punidos com sanções administrativas, editores tendiam a evitar controvérsias, o que, na prática, implicava a redução de perspectivas na esfera pública.
A Agência também reconheceu que a aplicação da fairness doctrine aos casos concretos colocava-a no perigoso papel de avaliar a importância e o mérito de comentários expressados nos diferentes programas de rádio e televisão, pois, para avaliar se era devido ou não o direito de acesso, caberia a agência examinar se o comentário proferido era suficientemente importante e controverso. Segundo a Agência, a divergência de perspectivas poderia ser alcançada pela diversidade existente no então mercado de radiodifusão, que havia presenciado um crescimento significativo de canais nas últimas décadas.
3. Direito de Resposta na Inglaterra
Na Inglaterra, não há uma lei que obrigue as empresas de mídia escrita a conferir o direito de resposta. Nada obstante, há algumas regras decorrentes da própria autorregulamentação do setor ou previstas em estatutos de empresas de mídia que reconhecem o direito. O art. 2° do Código de Práticas da Press Complain Commission - entidade criada pelo próprio setor para autorregulação - dispõe ser oportuna a concessão de oportunidade ao interessado para responder a imprecisões divulgadas pela mídia quando isto for solicitado5.
Na radiodifusão, o Código da OFCOM – agência reguladora do setor – estabelece a oportunidade de resposta se um programa aponta falta, incompetência ou outras alegações significativas sobre uma pessoa.6 O estatuto da BBC – editorial guidelines, section 5 – também garante o direito de resposta7. O direito de resposta na Inglaterra, desse modo, é uma obrigação legal para as mídias de rádio e televisão e uma obrigação moral para imprensa escrita.
3. Direito de Resposta em Órgãos Internacionais e Países Europeus
Em convenções internacionais, o direito de resposta irá receber tratamento bastante distinto do conferido por países fundados na common law e, geralmente, haverá uma regra obrigando tanto a mídia escrita quanto a radiodifundida a conceder o direito de resposta em determinados casos. No Sistema Interamericano, a própria Convenção Americana de Direitos Humanos estabelece este direito no artigo 14. Eis o teor do dispositivo:
Direito de retificação ou resposta
1. Toda pessoa, atingida por informações inexatas ou ofensivas emitidas em seu prejuízo por meios de difusão legalmente regulamentados e que se dirijam ao público em geral, tem direito a fazer, pelo mesmo órgão de difusão, sua retificação ou resposta, nas condições que estabeleça a lei.
2. Em nenhum caso a retificação ou a resposta eximirão das outras responsabilidades legais em que se houver incorrido.
3- Para a efetiva proteção da honra e da reputação, toda publicação ou empresa jornalística, cinematográfica, de rádio ou televisão, deve ter uma pessoa responsável, que não seja protegida por imunidades, nem goze de foro especial.
Na opinião consultiva n° 7/86, a Corte Interamericana de Direitos Humanos ressaltou a obrigação dos estados-membros de adotar providências para tornar efetivo o direito de resposta. 8 Na Europa, diferentes países democráticos garantem em lei o direito de resposta, tais como França, Alemanha, Noruega, Áustria, Espanha e Portugal. Ademais, o artigo 23 da Diretiva do Conselho Europeu para a construção de uma “Televisão sem Fronteiras” determina que qualquer pessoa cujos interesses legítimos tenham sido prejudicados pela divulgação de fatos incorretos em um programa de televisão deve ter garantido o direito de resposta ou retificação.9
Segundo sistemas jurídicos que adotam o direito de resposta, o instituto é considerado o meio mais efetivo para a proteção da honra individual, da reputação e da imagem, encontrando forte justificativa no fato de que as lesões resultantes do discurso devem ser combatidas, preferencialmente, através de mais discurso. No mais, pode ser justificado com base na incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas, haja vista a existência de uma relação comunicativa entre os indivíduos e meios de comunicação fortemente marcada pela desigualdade, em especial, quando não se tratam de pessoas públicas.
Ao contrário do direito americano, outros sistemas jurídicos acreditam que o direito de resposta pode fortalecer o pluralismo e a diversidade na esfera pública, na medida em que a empresa jornalística apresentará distintas perspectivas sobre um mesmo tema deixando para o público a liberdade de tirar suas próprias conclusões. O direito irá encorajar um discurso amplo e aberto, sendo fundamental para a consagração do princípio do autogoverno. Segundo seus defensores, o que alguns segmentos da imprensa não entendem é que a liberdade de imprensa não existe apenas para a proteção das empresas jornalísticas, mas para a proteção de toda a população. Ademais, discursos relacionados a assuntos de interesse público transcendem o direito à liberdade de imprensa sendo também fundamentais para a concretização do princípio do autogoverno. Tendo isso em vista, o direito de resposta não faria apenas a ponderação entre a liberdade de imprensa e o direito à reputação, mas também a ponderação entre a liberdade editorial e o pluralismo na esfera pública.
Não obstante, deve haver critérios claros para estabelecer quando é devido o direito de resposta, pois um interesse legítimo do público por pluralismo não confere ao cidadão direitos subjetivos de acesso a uma entidade de mídia específica. O desejo de usar os meios de comunicação de massa para transmitir uma mensagem particular considerada importante não é motivo suficiente para que o discurso de uma pessoa tenha prioridade sobre outra. Ademais, a liberdade de expressão não confere a particulares o direito de exigir que terceiros veiculem sua própria mensagem.
Via de regra, cada indivíduo deve suportar o custo de veiculação de suas próprias ideias e opiniões. Quando o direito de resposta é concedido, a divulgação da mensagem de um indivíduo ocorre às custas de outras pessoas que poderiam usar a mídia em seu lugar. Por outro lado, haja vista a liberdade de opinião e crítica, o poder que o editorial de um jornal deve ter para divulgar suas próprias ideias, em princípio, somente deve ser delimitado por três fatores: a existência de um número suficiente de leitores que torne o empreendimento viável, a integridade de seus editores e jornalistas e a ausência de práticas anticompetitivas, que possam inviabilizar a concorrência.
Por constituir uma restrição à liberdade de imprensa, sistemas jurídicos que acolhem o direito de resposta estabelecem também parâmetros de ponderação. A restrição mais comum refere-se à limitação do direito de resposta à contestação de fatos incorretos, não sendo este admissível para contrapor comentários ou opiniões que desagradem ao leitor. Neste sentido, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos destaca:
en concordancia con el artículo 14 de la Convención, un presunto damnificado pude recurrir al derecho de rectificación o respuesta para obtener una corrección inmediata publicando o emitiendo en el mismo medio la verdad comprobable de los hechos ciertos que pudieran haber sido desvirtuados por el reportero de la información cuestionada. Dicha acción se ejerce únicamente con relación a información de carácter fáctica y no con relación a comentarios de opinión. Cabe mencionar que respecto a expresiones de opinión, la Corte Europea de Derechos Humanos ha sostenido que hay algunas circunstancias en que una comunicación de un juicio de valor tiene que estar respaldada por una base de hechos suficientemente fácticos para llegar a este juicio. Esta posición, por tanto, podría permitir la rectificación de información fáctica en aseveraciones de opinión que se basan sobre hechos comprobables. En estas circunstancias sería necesario demostrar un enlace entre un juicio de valor y los hechos que lo respaldan en el estudio de caso por caso.10
Em entendimento semelhante, a Corte Europeia de Direitos Humanos ressalta que o deferimento do direito de resposta em razão de comentários emitidos na mídia teria como conseqüência a autocensura, inibindo o debate político fundado em opiniões meramente subjetivas. Nas palavras do Tribunal, apenas opiniões emitidas sem qualquer base fática poderiam autorizar o deferimento do direito de resposta, a saber:
75. Em sua jurisprudência, esta Corte tem feito a distinção entre afirmações factuais e julgamentos de valor. Enquanto a existência de fatos pode ser demonstrada, a verdade sobre julgamentos é insuscetível de prova. O Requerimento de prova de um julgamento de valor é impossível de ser atendido e a mera requisição ofende a liberdade de opinião, um direito fundamental assegurado no artigo 10 (...)
76. Quando uma afirmação equivale à um juízo de valor, a proporcionalidade de uma intervenção depende da existência de base fática suficiente para a declaração impugnada, haja vista mesmo um julgamento de valor sem qualquer base factual para fundamentá-lo pode ser abusivo (...)11
Também na tentativa de estabelecer critérios de ponderação, o Conselho Europeu recomenda que os estados membros estabeleçam seis situações em que o direito de resposta deva ser indeferido,12 são elas:
se o pedido para a publicação da resposta não for realizado em um período razoavelmente curto;
se o tamanho da resposta excede aquilo que for necessário para corrigir a informações contendo os fatos apontados como incorretos;
se a resposta não é limitada à correção dos fatos questionados;
se a resposta constituir um crime punido por lei;
se a resposta violar interesses de terceiros;
se o autor não conseguir demonstrar a existência de um interesse legítimo.
Em 2004, o Conselho Europeu recomendou emendas à Resolução 74(26) para atualizá-la em razão do surgimento da Internet e do desenvolvimento tecnológico ocorrido na comunicação. Segundo a recomendação, o direito passa também a ser negado quando a reportagem contestada é fundada em informações oriundas de autoridades ou sessões públicas e quando a resposta não é elaborada com o mesmo idioma e linguagem da reportagem original. Destaca ainda que, se a informação contestada estiver permanentemente na Internet, um link deve ser feito entre a reportagem e o direito de resposta, chamando a atenção para o usuário de que a informação original foi objeto de contestação.13
No direito alemão, vale acrescentar, admite-se a concessão do direito de resposta se os fatos publicados são incorretos, mesmo que a imprensa tenha agido de maneira diligente em sua apuração. Embora reconheça o possível efeito silenciador da concessão do direito de resposta ainda quando a imprensa cumpre com seu dever de cuidado, o tribunal constitucional alemão acredita não haver justificativa razoável para deixar que a publicação de fatos incorretos continue a causar dano à honra daqueles atingidos pela notícia após a comprovação do erro. A Corte também não acredita que a função da imprensa seja severamente ameaçada pela concessão do direito de resposta ou retificação nos estritos casos em que, posteriormente, for verificada a falsidade dos fatos.14 Neste caso, a concessão do direito de resposta ainda cumpriria o objetivo de manter o público bem informado e diminuir eventuais falhas no mercado de ideias.
Na ponderação entre honra e liberdade de imprensa, desse modo, a corte tedesca não associa a responsabilidade civil ou criminal da empresa de jornalismo à concessão do direito de resposta. A isenção da responsabilidade civil e criminal da imprensa não impede a concessão do direito de resposta que, nesta situação, surge mais como um instrumento de proteção da honra e de ponderação entre dois princípios de valores constitucionais do que como uma sanção à empresa jornalística. Ainda assim, a abrangência do direito de resposta é limitada a fatos, e não a juízos de valor. 15
3. Direito de Resposta no Brasil
A Constituição da República garante o direito de resposta no art. 5, V, segundo o qual: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.”
No âmbito infraconstitucional, o direito de resposta era regulado principalmente pelos artigos 29 a 36 da Lei n. 5.250/1967 (Lei de Imprensa)16, declarados inconstitucionais na ADPF n. 130. Dispunha o artigo 29 que toda pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade pública, que fosse acusado ou ofendido em publicação ou transmissão ou a cujo respeito os meios de informação e divulgação veiculassem fato inverídico ou errôneo, teria direito à resposta ou retificação. A antiga lei de imprensa estabelecida a competência do juízo criminal para o julgamento dos casos sobre direito de resposta, atribuindo-o natureza penal. A classificação era equivocada, a nosso ver, pois desvirtuava o instituto de suas principais finalidades: a reparação do dano sofrido pelo ofendido e a garantia do pluralismo na esfera pública17. O procedimento penal ainda prejudicava o princípio da atualidade da resposta, haja vista não serem permitidas ao autor a concessão de eventuais medidas antecipatórias. O artigo 34 da invalidada lei, por sua vez, estabelecia situações em que a o pedido de resposta seria indeferido, a saber:
Art . 34. Será negada a publicação ou transmissão da resposta ou retificação:
I - quando não tiver relação com os fatos referidos na publicação ou transmissão a que pretende responder;
II - quando contiver expressões caluniosas, difamatórias ou injuriosas sobre o jornal, periódico, emissora ou agência de notícias em que houve a publicação ou transmissão que lhe deu motivos, assim como sobre os seus responsáveis, ou terceiros;
III - quando versar sobre atos ou publicações oficiais, exceto se a retificação partir de autoridade pública;
IV - quando se referir a terceiros, em condições que criem para estes igual direito de resposta;
V - quando tiver por objeto crítica literária, teatral, artística, científica ou desportiva, salvo se esta contiver calúnia, difamação ou injúria.
De maneira geral, o art. 34 da antiga lei de imprensa não divergia das situações previstas na legislação internacional para a denegação do direito de resposta, em especial quando interpretado em conjunto com o artigo 27 do mesmo diploma18. Vale dizer que boa parte das divergências que surgiram entre os ministros do STF durante o julgamento da ADPF referiram-se à validade dos artigos concernentes ao direito de resposta. Não obstante, declarada a inconstitucionalidade de toda a lei n. 5.250/1967, vale agora examinar eventuais conflitos entre liberdade de imprensa e direito de resposta tomando como base o artigo 58 da lei eleitoral (Lei n. 9.504/97), a saber:
“A partir da escolha de candidatos em convenção, é assegurado o direito de resposta a candidato, partido ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social.”
A finalidade do artigo parece clara: garantir a equidade e a lisura do pleito eleitoral. Contudo, cabe indagar se a amplitude conferida pelo dispositivo ao direito de resposta não contraria o direito fundamental à liberdade de imprensa. A primeira questão a ser examinada concerne à possibilidade da concessão de direito de resposta quando, na reportagem, houver afirmações verdadeiras ou juízos de valor.
3.1. Difamação e Injúria
O artigo 58 admite o direito de resposta por informações injuriosas ou difamatórias. Isto cria um problema de natureza constitucional para o direito brasileiro. Ao menos em princípio, a legislação ordinária autoriza o ajuizamento de ações por injúria e difamação mesmo quando as afirmações proferidas pelo Réu forem verdadeiras ou as alegações cuidarem de juízo de valor. A legislação penal brasileira não distingue entre afirmações de fato e juízos de valor. Ademais, somente admite a exceção da verdade para a calúnia ou para a difamação, neste último caso quando o ofendido for funcionário público (art. 138, § 3°, e 139, parágrafo único, do CP).
Em se tratando de questões de interesse público, no entanto, conceder o direito de resposta pela divulgação de fatos verdadeiros viola a liberdade de imprensa, além de não conferir proteção constitucionalmente adequada à reputação do ofendido ou ao pluralismo na esfera pública. Pessoas concorrendo a cargos públicos ou envolvidas em temas de interesse público não têm o direito de defender uma reputação que, na verdade, não possuem e, portanto, não merecem. Ademais, o direito de divulgar informações verdadeiras de interesse público constitui uma prerrogativa constitucional da imprensa contra a imposição de eventual responsabilidade.
Tendo isso em vista, pode-se afirmar que as hipóteses de admissão da exceção da verdade no direito brasileiro são inconstitucionalmente restritivas. Em resumo, a letra da lei somente a admite em casos referentes à prática de crimes ou em situações concernentes à conduta de funcionários públicos no âmbito do cargo. O direito à liberdade de imprensa e de expressão, todavia, legitima a divulgação de informações verdadeiras em inúmeras outras situações, ainda que os fatos venham a causar danos à honra da pessoa afetada pela notícia. 19 Notícias sobre atividades de pessoas ligadas à concessionárias de serviço público, ao mercado financeiro, à proteção do consumidor, apenas para exemplificar, podem ser incluídas neste rol. O número de hipóteses, na verdade, depende apenas da imaginação do leitor.
Por sua vez, conceder o direito de resposta em razão da divulgação de um comentário cria sérios problemas de natureza constitucional em razão do direito fundamental à liberdade de opinião. Embora no exercício da atividade jornalística exista um dever de objetividade, isso não significa que é vedado ao jornalista fazer críticas duras a pessoas envolvidas em assuntos de interesse púbico. A deontologia do jornalismo recomenda uma separação entre informações sobre fatos e comentários, mas isto não impede a adoção de uma perspectiva crítica sobre o tema. A crítica deve ser um direito, e não um risco, fazendo com que o processo judicial não seja o local mais adequado para discussão de juízos de valor sobre política ou ideologia. Neste sentido, Jónatas Machado destaca:
(...) deve dar-se uma margem de tolerância muito maior para as opiniões e os juízos de valor em questões de interesse público, ainda que os mesmos surjam como exagerados, preconceituosos, obstinados e infundados. Por maioria de razão, assim, deverá ser se os mesmos tiverem um fundamento minimamente sério, razoável ou provável, em termos objetivos ou intersubjetivos, sendo susceptíveis de acolhimento por pessoas razoáveis e intelectualmente honestas.20
Quando em vigor o artigo 27 da Lei de Imprensa, havia uma zona mais clara de imunidade para a atividade jornalística, ainda que a maior parte da doutrina considerasse as situações previstas no dispositivo como taxativas. Por sua vez, nos conflitos entre o direito de resposta e a liberdade de imprensa, o Poder Judiciário brasileiro frequentemente recorreu a figura do animus narrandi, especialmente porque o direito de resposta na lei de imprensa era considerado uma sanção penal. Descaracterizado o dolo na injúria e difamação, desse modo, não havia resposta a ser concedida para ao ofendido. Recorrer a figura do animus narrandi tornou-se uma maneira de contornar a interpretação restritiva conferida ao art. 27 da lei de imprensa e a ausência de outras previsões legais para a oposição da exceção da verdade.
A ideia de que está afastada a responsabilidade do jornalista se constatado o animus narrandi é ainda corrente na doutrina e jurisprudência nacionais. A nosso ver, entretanto, a técnica é excessivamente limitada porque produz uma supervalorização do elemento subjetivo do agente. Se há interesse público é mais importante analisar a veracidade ou a falsidade da notícia e a conduta diligente ou negligente do jornalista na busca das informações do que eventual intenção de difamar, injuriar ou caluniar. Ademais, se a técnica é útil para afastar a responsabilidade criminal do jornalista, ela não é suficiente para, em princípio, afastar a responsabilidade civil. 21
A Verdade para o Jornalismo
O artigo 58 da lei eleitoral confere o direito de resposta pela divulgação de informações inverídicas, tornando importante para o jurista saber como o termo “inverídico” previsto na lei deve ser interpretado e aplicado às situações concretas.
Juristas e jornalistas são profissionais treinados para buscar a verdade, mas eles fazem isto de maneira bastante distinta. Juízes e advogados estão acostumados a procurar a verdade nas salas dos tribunais, onde provas que não obedecem o devido processo legal devem ser descartadas e a apuração da verdade pode levar anos para ser obtida. Para jornalistas, ao invés, o princípio da atualidade da notícia é da maior importância e mesmo a divulgação de informações que seriam descartadas em juízo pode ser fundamental para a garantia de um público bem informado. Uma das maiores razões para a proteção constitucional da liberdade de imprensa, aliás, é justamente a possibilidade de produção de informações atuais sobre o governo e o mundo.
Desse modo, não se pode exigir do jornalista a produção de uma verdade judicial. Além de impossível de se alcançar na prática, a exigência para o jornalista de obtenção da verdade judicial implicaria a eliminação do debate público e do próprio pluralismo necessário na esfera pública. Entendimento em sentido contrário tornaria os jornalistas tão temerosos de cometer algum erro que o excesso de precauções causaria sérios danos à liberdade de informação e à livre circulação de ideias nos fóruns públicos. Segundo Jónatas Machado:
a realização das finalidades constitucionais substantivas subjacentes às liberdades de comunicação aponta para a proteção de conteúdos expressivos objetivamente errôneos, contanto que sejam observados os deveres elementares de cuidado e objetividade, com particular relevo para os deveres profissionais e deontológicos dos jornalistas, devendo a exigência aumentar na proporção direta da gravidade da alegação (...) exigir para a publicação de uma notícia um grau de certeza equiparável, por exemplo, ao grau de certeza necessário para uma condenação, seria inviabilizar de todo, mas de todo, o direito de informação.22
A ideia de que o conceito de veracidade no campo da comunicação social deve ser harmonizado com as condições concretas a que os jornalistas e as empresas de comunicação são submetidos, sob pena de violação à liberdade de imprensa, parece ser majoritária. Neste sentido, é famosa a jurisprudência americana sobre a doutrina da “actual malice”, tendo esta influenciado diversos sistemas jurídicos.
Em New York Times v. Sullivan23, a Corte estabeleceu que as afirmações publicadas que afetem a honra de funcionários públicos somente são passíveis de responsabilização se tiverem sido proferidas com o conhecimento de sua real falsidade ou com grosseiro desprezo por sua veracidade. Em Curtis Publishing CO v. BUTTS; Associated Press v. Walker24, o Tribunal declarou que os critérios estabelecidos na decisão anterior se aplicavam a qualquer pessoa pública, e não apenas a servidores públicos. Em Garrison v. Lousiana25, a Corte afirmou que os parâmetros criados para a responsabilização da imprensa em razão de danos à honra de funcionários públicos aplicam-se também aos processos criminais. Em Gertz v. Robert Welch, INC.26, no entanto, destacou que pessoas privadas devem gozar de proteção maior do que pessoas públicas. Ressaltou, ainda, que os restritivos critérios de responsabilização da imprensa criados em New York Times v. Sullivan podem ser flexibilizados em se tratando de pessoas privadas, contanto que os Estados não imponham a responsabilidade objetiva para publicações difamatórias. A ideia funda-se no fato de as pessoas privadas gozarem de maior proteção à privacidade e reputação, terem menos oportunidade de acesso aos meios de comunicação e serem mais vulneráveis a declarações difamatórias.
Sobre a exigência de veracidade das informações publicadas no direito americano, vale ainda ressaltar a neutral reportage doctrine. Via de regra, quem reproduz uma declaração difamatória será considerado tão responsável quanto quem primeiro emitiu a declaração. Em Edwards v. National Audubon Society27, no entanto, criou-se uma exceção. Segundo a decisão, a primeira emenda protege a publicação pela imprensa de acusações feitas por uma pessoa pública contra outra pessoa pública, ainda que o repórter não confie na veracidade das declarações prestadas. O interesse público, neste caso, são as próprias acusações feitas, tendo em vista as personalidades envolvidas e a gravidade do teor da mensagem . Nestas situações, a imprensa deve possuir um espaço jurídico para atuar de forma legítima e publicar de forma neutra as declarações, sem receio de qualquer processo ou sanção. Na ocasião o tribunal afirmou:
Os limites do direito da imprensa à reportagem neutra são, é claro, definidos pelo princípio que a ele conferem vida. Exatidão literal não é um pré-requisito: se quisermos desfrutar das bênçãos de uma imprensa robusta e livre de intimidações, devemos prover imunidade em processos por difamação em que o jornalista acredita, de forma razoável e de boa fé, transmitir um relato preciso das acusações. (...). De igual maneira, entretanto, um editor que apoia ou corrobora as acusações ou que, deliberadamente, distorce a declarações para lançar um ataque pessoal próprio a uma figura pública, não pode contar com um privilégio de reportagem neutra . Nestes casos, ele assume a responsabilidade das acusações subjacentes. Veja Goldwater v. Ginzburg, 414 F.2d 324 (2d Cir. 1969), cert. negado, 396 E.U. 1049, 90 S.Ct. 701, 24 L.Ed.2d 695 (1970).28
A decisão é de um tribunal federal americano, não havendo acórdão da Suprema Corte sobre o tema. É também importante atentar para o fato de o julgamento cuidar de caso onde estavam envolvidas figuras públicas. No direito brasileiro, o artigo 27 da lei de imprensa previa de maneira mais restrita a possibilidade de publicar ofensas proferidas em audiências públicas e sessões legislativas.29 As situações compatíveis com a liberdade de imprensa, no entanto, superam em muito as exceções previstas na antiga norma.
No que toca aos parâmetros para a responsabilização civil da imprensa por danos morais, a jurisprudência brasileira parece seguir caminho semelhante ao traçado pela jurisprudência americana. No Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, há acórdão30 sugerindo que não há direito à indenização ao prejudicado pela divulgação da informação a não ser que exista comprovação do intuito específico de atingir moralmente a vítima. Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal deixou claro que a honra de autoridades públicas e pessoas envolvidas em questões de interesse público deve possuir um grau de proteção menor do que o conferido a particulares, a saber.
Os políticos estão sujeitos de forma especial às críticas públicas, e é fundamental que se garanta não só ao povo em geral larga margem de fiscalização e censura de suas atividades, mas sobretudo à imprensa, ante a relevante utilidade pública da mesma.” (JTJ 169/86, Rel. Des. MARCO CESAR - grifei)... observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, veicular opiniões em tom de crítica severa, dura ou, até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem dirigidas ostentar a condição de figura pública, investida, ou não, de autoridade governamental, pois, em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender(...) 31
Especificamente quanto ao parâmetros utilizados para a concessão do direito de resposta, vale tomar como base para exame recente decisão proferida pelo Tribunal Superior Eleitoral, a saber:
Eleições 2010. Direito de resposta. Imprensa escrita. Justiça Eleitoral. Competência.
A Justiça Eleitoral tem competência para processar e julgar direito de resposta. Sempre que órgão de imprensa se referir de forma direta a candidatos, partidos ou coligações que disputem o pleito, haverá campo para atuação da Justiça Eleitoral nos casos em que o direito de informar tenha extrapolado para a ofensa ou traga informação inverídica.
As garantias constitucionais de livre expressão do pensamento, liberdade de imprensa e direito de crítica não são absolutas. A Constituição, ao assegurar a liberdade de imprensa, no § 1o do art. 220, ressalvou expressamente a garantia à honra e ao direito de resposta proporcional ao agravo. Extrapola o limite da informação reportagem que analisa o conteúdo de frase proferida por candidato, anteriormente considerada como ofensiva pela Justiça Eleitoral, para atribuir-lhe veracidade. A afirmação que atribui a partido político associação com narcotráfico abre espaço para o direito de resposta. O texto da resposta deve ser proporcional à ofensa e não deve conter provocações ou matérias que traduzam apologia ao Estado, em virtude do caráter impessoal que deve prevalecer na condução da coisa pública. Nesse entendimento, o Tribunal, por unanimidade, rejeitou a preliminar de incompetência da Justiça Eleitoral para apreciar o feito e, no mérito, por maioria, julgou procedente a representação. Representação no 1.975-05/DF, rel. Min. Henrique Neves Da Silva, em 2.8.2010.32
Relembremos os critérios utilizados no plano internacional. Vimos que, nos países onde há direito de resposta, este é geralmente limitado à correção de fatos inexatos, não abrangendo o comentário a opiniões que o leitor não goste ou que o descrevam de maneira negativa: ou seja, juízos de valor. Para o deferimento do direito de resposta em razão de juízos de valor, por outro lado, a Corte Européia de Direitos Humanos exige que não haja qualquer base fática a conferir suporte à opinião emitida. Destacamos também a neutral reportage doctrine, que autoriza a publicação pela imprensa de forma neutra e objetiva de acusações não comprovadas feitas por uma figura pública contra outra figura pública. Enquanto em diversos países exige-se para a concessão do direito de resposta ao menos a demonstração da culpa no momento da apuração dos fatos, no direito alemão, essa demonstração não é necessária uma vez constatado que os fatos divulgados eram realmente inverídicos. Comparemos agora os parâmetros utilizados no julgamento do TSE com os parâmetros utilizados no plano internacional:
A reportagem publicou uma ofensa proferia por um candidato à vice-presidência da República contra outro partido político. Até aqui, a conduta está protegida pela neutral reportage doctrine. Nesta questão, a decisão do TSE parece adotar entendimento semelhante ao adotado pela doutrina americana. A reportagem, no entanto, narrou outros fatos para corroborar a afirmação do candidato. A doutrina citada, portanto, não mais protege a reportagem a partir deste ponto.
A partir dos outros fatos publicados, a revista emitiu uma opinião (juízo de valor) no sentido de que a afirmação ofensiva feita pelo candidato à vice-presidência estava correta. De acordo com os parâmetros internacionais, apenas a publicação de fatos incorretos autoriza a concessão do direito de resposta. Nos estritos casos em que se admite direito de resposta a uma opinião, esta deve ser proferida sem base fática mínima. Eventual discordância sobre a interpretação feita pela entidade jornalística dos fatos apurados, desse modo, não autoriza o deferimento.
No julgamento do TSE, no entanto, a veracidade dos fatos narrados não foi examinada. Alguns Ministros deferiram o direito de resposta exatamente em razão da emissão de um juízo de valor pela Revista, sem examinar se havia base fática mínima para tanto. Ao contrário dos parâmetros internacionais, o TSE parece admitir a concessão do direito de resposta em razão da emissão de juízos de valor, mesmo quando fundados em base fática mínima.
Torna-se importante analisar o contexto eleitoral, haja vista a concepção de que os parâmetros durante o processo eleitoral para o concessão do direito de resposta merecem tratamento distinto.
3.3. Direito de Resposta no Contexto Eleitoral
Afirmações propositadamente falsas não contribuem para o debate público e não merecem proteção constitucional. A publicação de fatos inexatos com o conhecimento de sua real falsidade (animus difamandi) ou com grosseiro desprezo por sua veracidade (culpa grave) não contribuem para a busca da verdade ou para o processo democrático. Elas possuem valor social tão pequeno que qualquer benefício que possa ser produzido pela notícia neste caso é claramente superado pela necessidade de proteção do processo eleitoral e do direito fundamental à honra.33
Tendo isso em vista, Willian Marshall destaca bons argumentos a favor da regulação do discurso durante o processo eleitoral. Primeiro, afirmações falsas distorcem o processo eleitoral, na medida em que elas enganam os eleitores e interferem na premissa de que a democracia deve estar fundada na deliberação de um público bem informado.34
Segundo, afirmações falsas contribuem para diminuir a qualidade do debate durante as campanhas eleitorais. Elas obrigam ao candidato concorrente a responder ao ataque ou a engajar-se em táticas semelhantes, diminuindo o espaço para a discussão sobre temas importantes.
Terceiro, afirmações deliberadamente falsas contribuem para afastar o eleitor da política, colaborando para o aumento do cinismo e da desconfiança do cidadão em relação ao processo político. A alienação do eleitor é problemática porque uma democracia saudável depende de um cidadão envolvido nas questões de interesse público. Dentre as ameaças contra a democracia uma das maiores está na existência de um povo inerte e desinteressado.
Quarto, afirmações falsas causam dano à honra subjetiva e objetiva do candidato afetado pela publicação, ainda que se trate de uma figura pública. Figuras públicas, embora devam possuir maior tolerância à crítica, gozam também de proteção constitucional contra a difamação pela divulgação de fatos errôneos e opiniões difamatórias emitidas sem qualquer base fática.
Todos estes argumentos poderiam justificar uma maior intervenção do Estado durante o processo eleitoral. Os benefícios de uma maior intervenção no discurso político durante este processo, entretanto, somente se justificam se forem superados pelos eventuais prejuízos. Neste sentido, Willian Marshall também ressalta os principais argumentos contrários a uma maior regulação do discurso durante o processo eleitoral.35
Primeiro, a preocupação de que afirmações deliberadamente falsas emitidas por um candidato podem distorcer o processo político não levam em consideração que eleitores frequentemente não acreditam naquilo que eles ouvem durante as campanhas eleitorais. Tal preocupação pode, simplesmente, ser uma atitude paternalista, que retira do eleitor a capacidade de julgar por si mesmo a veracidade ou falsidade de afirmações publicadas na imprensa.
Segundo, a ideia de que, no contexto eleitoral, afirmações falsas são mais perigosas do que proferidas em outros contextos não leva em consideração o fato de que, do outro lado, sempre haverá um partido político altamente motivado e engajado para desmentir eventual acusação. Durante campanhas políticas, este tipo de afirmação raramente fica sem resposta.
Terceiro, opiniões emitidas sobre as qualificações dos candidatos a um cargo público encontram-se na essência do direito fundamental à liberdade de expressão. Permitir ao Estado sancionar manifestações neste contexto levanta sérios problemas constitucionais. Em campanhas políticas, a possibilidade de troca de acusações entre candidatos não é insignificante e permitir a regulação de críticas duras feitas no calor da campanha podem possuir um importante efeito silenciador. Vale dizer que o modo de expressar um conteúdo pode ser tão importante para o sucesso da transmissão da informação quanto o próprio conteúdo.
Quarto, autorizar ao Judiciário decidir o que é verdadeiro ou falso em política pode ser bastante perigoso e abrir caminho para abuso partidário. Em política, afinal, as qualidades de um candidato para um eleitor podem representar seus maiores defeitos para o vizinho. Ademais, ações pela concessão do direito de resposta durante campanhas eleitorais frequentemente não possuem o objetivo de corrigir o fato publicado ou reparar o dano, mas produzir dano político ao candidato que as proferiu. A própria ação neste caso pode se tornar uma importante arma política.
Tendo em vista os argumentos apresentados, parece-nos que as eventuais vantagens de uma maior regulação do discurso durante o processo eleitoral são anuladas pelos maiores riscos produzidos à liberdade de imprensa e de expressão durante o mesmo período. Desse modo, salvo quanto à celeridade com que devam ser julgadas as ações sobre direito de resposta, não nos parece que deve haver qualquer mudança de critério para o deferimento ou indeferimento deste direito durante o período eleitoral.
Não é isto, no entanto, que faz a lei eleitoral que chega a possibilitar a concessão do direito de resposta mesmo quando o interessado é atingido de maneira indireta. Ademais, o acórdão do TSE analisado parece indicar que os parâmetros utilizados pelo Tribunal para a concessão do direito de resposta parecem ser mais amplos do que os critérios estabelecidos por outros tribunais no plano internacional. A utilização de termos vagos na lei eleitoral tais como “ ainda que de forma indireta” também autoriza uma restrição inconstitucional à liberdade de imprensa.
4. Conclusão
Declarada a inconstitucionalidade da lei imprensa, os conflitos envolvendo a atividade jornalística e outros direitos fundamentais passaram a ser regulados essencialmente pela aplicação direta dos princípios constitucionais. Tal situação produz conseqüências no plano jurídico e econômico.
Juridicamente, a ausência de regras infraconstitucionais, potencialmente, transforma todo e qualquer conflito envolvendo a atividade jornalística em uma questão constitucional. Economicamente, a ausência de regras claras cria insegurança para o exercício da atividade, já que juízes em diferentes partes do país certamente terão opiniões distintas sobre equidade, privacidade, honra, sigilo e liberdade, não havendo sequer regras legais mínimas para orientar a interpretação.
Desse modo, definir parâmetros para ponderar princípios como liberdade de expressão e imprensa com outros de estatura constitucional é algo essencial para o desenvolvimento de um jornalismo livre, robusto e não sujeito à autocensura por receio de responsabilização civil ou criminal. Em um sistema fundamentado em princípios, afinal, é o eventual déficit de fundamentação das decisões judiciais um dos maiores inimigos do exercício dos direitos fundamentais.
Este artigo buscou discutir como o direito de resposta é tratado por diferentes sistemas jurídicos bem como estabelecer parâmetros para a sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro. As conclusões são as seguintes:
Para os casos de difamação, calúnia e injúria, a legislação infraconstitucional não faz diferenciação entre pessoas públicas e privadas nem faz distinção entre afirmações de fato e juízos de valor. Estes fatores, entretanto, devem ser considerados em toda decisão que envolva a podenração entre liberdade de imprensa e outros princípios constitucionais.
As hipóteses de exceção da verdade no ordenamento jurídico brasileiro são excessivamente restritivas. A jurisprudência recorre ao animus narrandi para resolver os demais casos controversos, mas esta técnica valoriza demasiadamente o elemento subjetivo do autor da notícia. Havendo interesse público, contudo, importa mais avaliar a veracidade da informação e se o jornalista cumpriu com os deveres deontológicos da profissão.
Na exceção da verdade, a legislação infraconstitucional exige do jornalista a demonstração da verdade judicial quando a realização do direito fundamental à liberdade de imprensa e de expressão aponta para a proteção de conteúdos expressivos quando observados os deveres deontológicos da prática jornalística. O cumprimento destes deveres deve ser capaz de afastar a responsabilidade civil e criminal, em especial, quando se tratam de figuras públicas.
A concessão do direito de resposta deve amparar a correção de fatos. O deferimento do direito de resposta em razão da emissão de opiniões deve ser restrito aos casos em que os juízos de valor forem proferidos sem qualquer base fática. Eventual desacordo quanto à interpretação dos fato não autoriza a concessão do direito de resposta.
O contexto eleitoral não autoriza a flexibilização dos parâmetros para a concessão do direito de resposta.
Comprovada a falsidade dos fatos narrados, ainda que não tenha havido descumprimento dos deveres de cuidado por parte da mídia, pode ser concedido o direito de resposta ou retificação. Parece-nos que o direito de resposta é independente de eventual resposabilidade civil ou criminal e, neste caso, serve para a garantia de um público bem informado.
A resposta deve receber destaque e amanho similar ao recebido pelo artigo originial, o pedido deve ser feito em período razoavelmente curto, não pode violar direito de terceiros, conter ofensas, provocações ou introduzir novos temas.
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